Mais um amanhecer nas longínquas terras de África, ao som do
chilrear dos pássaros e o aroma daquela terra barrenta, misturado com alegre
cantarolar das crianças do internato. O pequeno-almoço já esperava por nós, não
nos sentíamos de forma alguma satisfeitos, pois a nossa estadia estava de certa
forma a ser de mera visita e laser e não o que nos propusemos desde de início,
deixar a nossa marca com trabalho voluntário.
O trabalho para o dia já estava delineado, iríamos continuar
com a distribuição de pão agora pelas ruas e pelas escolas em especial
aproveitando a viagem até Gurué, pois iríamos visitar o Padre Luciano, que nos
recebeu muito cordialmente e acompanhou-nos numa visita pelo espaço, aqui
tivemos a oportunidade de ver alguns animais selvagens, nomeadamente
crocodilos, aranhas gigantes e outros animais, ficamos também a perceber, que
neste local além de estarem jovens internos também estão em regime de internato
seminaristas e alguns escuteiros que pertencem ao Grupo de Gurué, além de que a
quinta também serve, para alojar algumas entidades que de visita a Gurué possam
desfrutar dum local de acolhimento com alguma segurança.
O padre Luciano, logo nos lançou o convite para um encontro
entre os jovens do nosso grupo, os seminaristas assim como o Grupo de
Escuteiros de Gurué e alguns jovens que quiséssemos trazer de Invinha, para
quem sabe as sementes do escutismo, que mesmo não sendo a nossa prioridade
seria sem dúvida um objetivo, mais uma vez o entusiasmo fazia-se notar na nossa
face. Este encontro ficou marcado para o Domingo às 15 h com jantar e partilha
de conhecimentos através do jogo. A manhã chegava ao fim e a fome também
começava a apertar, tínhamos também marcado uma reunião de avaliação para a
parte de tarde e um levantamento do ponto da situação, a nossa conversa com a
irmã Madalena, tinha dado resultado e por fim iríamos deitar mãos á obra. Não
foi de todo fácil fazermos as equipas, porque todos queriam estar em todo o
lado, mas o nosso objetivo inicial iria ser cumprido com a divisão do grupo em
função das suas aptidões profissionais. Também era necessário fazer um
levantamento do trabalho a realizar, assim como o material necessário, desta
forma ficaram constituídos os grupos.
Grupo de Eletricidade
Zé Fernando * Costa * Paulo * Luís
Informática e contabilidade
Tiago * Abílio * Armando
Saúde * Educação
Sara Cunha * Liliana * Patrícia Ribeiro * Marta * Patrícia
Pereira *Cláudia Gomes * Sara Pereira
Construção Civil * Carpintaria e Canalização
Guilherme * Nelson * Diana * Cláudia Daniela * Tânia *
Carlos
Responsável material e compras
Zé Maria
Agricultura
Todos dariam o seu contributo num dia em que juntamente com
as pessoas da aldeia iríamos fazer os trabalhos de preparação para as
sementeiras, na Machamba, assim se chamava o campo.
As Equipas iam mudando de local em função das necessidades,
muito era o trabalho e apesar de sermos 21 elementos em algumas situações
éramos poucos para o trabalho a fazer, tínhamos na verdade de valer em muitos
locais.
Como responsável na aquisição de material e pelo
levantamento de trabalhos a efetuar em alguns momentos atei as mãos na cabeça e
partilhei com o Zé Fernando a minha preocupação, não sabia como havia de
esticar o dinheiro para valer a tantas necessidades, mas o que mais me marcou
foi a biblioteca e o material escolar, as crianças vêm para a escola apenas com
um rudimentar caderno de apontamentos, livros não existem, apenas alguns e em
mau estado na biblioteca que acabam por servir de consulta, para os cerca de
1000 alunos que frequentam a Escola Secundária Madre Maria Clara.
Depois de conversar com a Irmã responsável da Escola e
diretora ficamos a saber que muitos destes alunos deslocam-se de bicicleta de
aldeias distantes e a grande maioria a pé, demorando em muitos casos mais de 3
horas, pois transportes públicos não existem. Pior ainda a escola começa às
06,45 com a formatura e apresentação, com algumas notícias e o canto do Hino
nacional, mesmo sabendo que esta escola tem cariz Católico ela é frequentada
por alunos de outras religiões nomeadamente Muçulmana e até Hindus, não deixam
de fazer as suas orações. Na verdade a evolução, como se costuma dizer, em
Portugal retiraram os sinais de catolicismo das escolas, mas também retiraram o
que nos marca como nação, se a moeda com a adesão á moeda única fez desaparecer
o escudo, a bandeira Nacional já é sub valorizada em relação á bandeira da
União Europeia e até o Hino deixou de ser um hábito nas nossas escolas daí não
ser de admirar que a grande maioria dos nossos jovens não o saibam cantar.
Na biblioteca dei-me conta das muitas necessidades,
nomeadamente:
Dicionários de Português – Inglês – Português
Dicionário de Português – Francês – Português
Livros de Filosofia 11º e 12º ano
Livros de Biologia 11º e 12º ano
Livros de matemática todos os anos
Além de como já referi antes quase todo o material escolar.
A noite começava a cair e a lista de trabalhos e respetivas
necessidades a aumentar, como iriamos transportar cimento, ferro, areia, vidros
etc. para fazer face às reparações necessárias na Escola, e na casa principal.
Tínhamos pela nossa frente o árduo trabalho de fazer um passeio de mais de 50
metros, carregar com pedra e fazer as cofragens, tínhamos muitos interruptores,
lâmpadas, tomadas para mudar, até o ar condicionado e os computadores da secretaria
tinham de sofrer reparações, além dos muitos vidros partidos, fechaduras e
torneiras para substituir, e não se pense que era por vandalismo dos alunos,
era tão só falta de manutenção por pessoal qualificado e das intempéries do
clima ao longo dos anos.
A ansiedade de começar os trabalhos era evidente, alguns já
tinham andado a preparar durante a tarde os muros que iriam ser pintados,
outros já preparavam o terreno onde iria nascer o passeio, já não havia fome,
foi necessário mais que uma vez a irmã Ana Paula, vir chamar o pessoal, o
Barnabé, bem esse levava-nos a tantos sítios para ver o que fazia falta e eram
tantos que já dava impressão de termos lá passado mais que uma vez, a lista era
imensa, começávamos a ter algumas dúvidas; será que encontraríamos o material
que queríamos? Será que tínhamos dinheiro que chegasse?
Foi com todas estas dúvidas que depois de tantas
insistências da irmã Ana Paula nossa guia espiritual e até da irmã Palmira,
responsável do Hospital, que nos sentamos á mesa para jantar.
Nesta noite e porque as crianças não tinham escola no dia
seguinte, quisemos ser nós a brindá-los com uma pequena festa e animação,
fazendo com que através do jogo escutista os inseríssemos nas brincadeiras, as
jovens deliravam, começava a haver uma forte empatia, queriam saber tudo sobre
nós, quem éramos? Porque viemos? O que fazíamos na nossa vida pessoal? Sei lá
tantas coisas e tantas perguntas que às vezes era preciso ter certo cuidado,
para não melindrar aquelas jovens, algumas delas tão já magoadas pela dura
vida.
Como habitual, pouco depois das 22,30 o dia chegava ao fim,
com as orações e uma última canção cada um recolhia aos seus aposentos, alguns
ainda aproveitavam enquanto os cães não estavam soltos para fumar um último
cigarro ou até para telefonar aos familiares.
Apesar de alguns e pequenos conflitos, já se notava uma
certa alegria, por enfim estávamos a trabalhar prol daquela gente.