Foi dormir a correr, o despertador começa a tocar, corpo
ainda dorido e olhar cansado, levantar às 4 da manhã tínhamos uma longa viagem
pela frente de Quelimane até Invinha, depois de um reconfortante pequeno
almoço, café pão e fruta, entre algumas riso-tas íamos carregando as malas,
ainda 300 km nos separavam no local que iria ser a... nossa casa durante os
próximos dias, muitos foram também os contratempos, eram tão só 24 pessoas numa
carrinha com capacidade para 14 e os mais de 3 mil quilos de material que
levávamos excedia em muito os 1500 permitidos na viatura, às 4,30 estávamos a
despedir-nos das irmãs Franciscanas sem muito ruído para que as crianças não
acordassem, esta viagem estava destinada a fazer história, íamos todos ao monte
e fé em Deus, mais amontoados que sardinhas em lata, logo ao sair da missão a
carrinha bateu por baixo e soltou-se o pneu suplente, “ El Gordo” o nosso
simpático motorista, que o Zé Maria junto dele era um mister universo, em nada
podia comparar os seus 110 Kg com os quase 200 do motorista, mas tinha uma
ginástica de fazer inveja com o ajudante, lá encaixaram de novo o pneu e nos
fizemos de novo ao caminho, bem o Zé Maria e a Irmã Ana Paula iam que nem lordes
no banco da frente junto do motorista, os outros esses faziam das tripas
coração para caberem todos, mas a boa disposição perdurava, pelo menos até ao
momento em que íamos a sair da Zona de Quelimane e tivemos um controle do
exército, tudo bem e ate um sorriso por ver aquele enlatado de sardinhas na
carrinha do “ El Gordo”, que como se não chegasse, tivemos mais um controle da
policia, todos tivemos de sair e aqui eles já não gostaram da brincadeira, era
ver a admiração dos policias, com os que saiam da carrinha, ainda não tínhamos
chegado aos 15 e já estavam a perguntar:
Não gostaram nada mesmo do que viram e o “El Gordo” teve de
pagar, não uma bela multa, pelo não só excesso de peso de bagagem e também de
pessoas, embora isso já fosse habitual por aquelas zonas, mas claro por baixo
da mesa foi passando as notas de meticais.
Não, não era suborno, quem fala nisso era apenas um obrigado
por nos deixar seguir viagem.
Podem seguir, foi o que quisemos ouvir, pior foi
acomodarem-se de novo, bem o Zé Maria e a Irmã Ana Paula não tiveram esse
problema, mas entre alguns gritos por pisarem os calos e gargalhadas á mistura
lá seguimos viagem.
Depois de quase 180 Km e já com umas largas horas de viagem,
um pneu furado.
Que mais nos irá acontecer? Lá teve de trabalhar “El gordo e
o seu ajudante, mudar o pneu até era tarefa fácil.
- Puxa, está mais careca que o Zé Maria, até tem os arames á
mostra, respondeu a Liliana.
- Não passa nada, respondeu “ El Gordo” quando voltar compro
outro e logo que possa arranjo este.
Lá seguimos viagem novamente, ao menos deu para esticar as
pernas e apanhar um pouco de ar naquela manha, começava a fome a apertar,
valeram algumas bolachas que fomos distribuindo uns pelos outros, até que uma
paragem numa aldeia á beira da estrada, para arranjar o Pneu furado e claro
tirar o carequita. Quando saímos as nossas fardas chamaram a atenção,
amontoavam-se as pessoas a quererem vender algo, desde a galinha dependurada de
cabeça para baixo.
- Coitada da galinha, o que ainda tem de sofrer antes de ser
papada disse o Paulo.
O Peixe a cheirar mal, os muitos frutos e como não podiam
faltar os bolos artesanais cobertos de moscas, sem faltarem os cachos de
bananas, cada cacho custava 100 meticais.
- Já viste Zé, apenas 3 € e são mais de 50 bananas, disse o
Abílio - Bem, vai ser o nosso almoço malta.
- Pois o problema vai ser decidir a quem vais comprar,
respondeu o Zé Fernando.
- Nem uma coisa nem outra é a que tiver mais pois é porque
vendeu menos e está mais pesada e lá compramos um grande cacho. Pareciam
macacos a comer bananas, não fizemos contas a quem comeu mais, mas a verdade é
que desapareceram num instante.
- Se alguém andasse de diarreia logo estava durinho, disse o
Guilherme.
- Com esta viagem sempre sentados e tão demorada o problema
vai mesmo ir á sanita, rsrsrsrsrsr ria-se a Patrícia.
- Pessoal está a entrar, o pneu está mudado e vamos seguir
viagem, ainda nos faltam mais de 100 Km, disse o Armando que acompanhava de
perto os trabalhos. Mais uma vez todos ao monte e enlatadinhos para não terem
frio, a viagem seguiu, estávamos agora a atravessar um troço de estrada que era
em terra, andava em obras, pouco mais de 30 Km tínhamos percorrido quando fomos
alertados pelo Guilherme que sentia um barulho estranho.
- Não acham que está a fazer atrás um barulho estranho?
- Oh, não digas que é outro furo, logo respondeu o Costa.
- O melhor é parar, oh senhor motorista pare, porque há um
barulho estranho aqui atrás, disse o Carlos.
Um bocado contra gosto “ El Gordo” parou, era um descampado,
mas uma paisagem bela, viam-se alguns pássaros no ar. Quando o Guilherme saiu
ficou amarelo, afinal o barulho que se fazia sentir era a roda que estava
solta, apenas tinha a prender 1 parafuso, os outros estavam partidos e o cubo
de rodas também, o expert na matéria “ El Gordo”. Não há problema, podemos
seguir agora a estrada é boa e dá para chegar a Invinha-
- Da forma que está, é para irmos por uma ribanceira a
abaixo. Logo respondeu a Diana.
Vai cão vai casota vai tudo, e não foi para isso que viemos
para cá, disse a Patrícia que se tinha mantido calada, a Irmã Ana Paula falou
como o motorista e este ligou, para um colega, que estava a passar por esses
lados e iríamos fazer o transbordo, saímos do “El Gordo” e entramos no “Rock
Santeiro”, de mal a pior se numa carrinha nos aconteceu de tudo este era mesmo
maluco a andar….
- Oh Santeiro, nós até acreditamos em milagres mas olha lá
se andas mais devagar com a chafarica, quem já leva 10 horas de viagem, também
pode demorar mais algumas horas mas o que queremos é chegar. Diziam algumas
boquitas mais preocupadas lá de trás.
Por fim a tão desejada placa de sinalização, Gurué 30 Km,
mal nós sabíamos que estávamos mesmo a chegar a Invinha, mais um pouco em
estrada de terra e por a sinalização, Escola Secundária Madre Clara de Invinha…
Ufa enfim, chegamos, ninguém o disse mas todos pensaram com certeza, eram cerca
das 16 horas, estava previsto chegar cerca das 11, ate nem nos atrasámos muito,
mal saímos da carrinha. Fomos mais uma vez brindados, com a bela melodia
daquelas crianças do Internato: “ Bem-vindos” e algumas flores em especial para
as meninas. Foram 11 horas tormentosas para fazer 300 Km, mas valia apena, era
o concretizar de um sonho assim como a bela melodia que sentíamos nos ouvidos
entoada por aquelas crianças.
Bem-vindos
A esta nossa linda casa
Bem-vindos
A esta nossa linda casa
A alegria é de todos nós
Esperemos que se sintam em casa
Depois de nos acomodarmos, montando as redes mosqueteiros nas camas, tomamos um duche á pressa, ainda deu para esticar as pernas e um
pequeno passeio em que alguns aproveitaram para telefonar aos familiares.
Não há rede aqui, dizia a Cláudia,
O Zé Maria, olhando para o telemóvel disse, pouca mas alguma
há.
O Armando a rir-se apontou para a vedação, é a esta que te
estás a referir?
E lá veio gargalhada geral, o que a Cláudia não gostou
muito. Mas tudo não tinha passado de um mal-entendido, quando regressamos ao
centro da missão já estava a escurecer, as crianças como que fugiam de nós,
talvez o primeiro receio ou a vergonha de lidar com estranhos, preparamo-nos
para jantar, eram 18,30, algo muito parecido com um frango estufado e arroz.
Foi com certeza o pensamento de todos: o carinho e amor que
nos põe a mesa é tão grande, será que aquelas crianças irão comer igual?
Claro que não, como eles dizem, “ vocês são os nossos
ilustres visitantes”, nós pelo contrário apenas nos queríamos sentir como a
irmã Flora, humildes servidores.
Ao longo da nossa caminhada em Fafe e Vieira do Minho, seja
na fase de angariação de bens essenciais para aquela gente, ou posteriormente
para a nossa viagem, muitas foram as duras e más respostas que ouvimos, gostava
agora que fossem essas mesmas pessoas a estarem no nosso lugar, sentirem aquela
alegria, verem o sorriso sincero de coração aberto e as canções de alegria.
Meu Deus, será que na verdade o que trouxemos vale tanto?
Ficam-me a bailar na mente as palavras de madre Teresa de
Calcutá, “é apenas uma gota de água no Oceano” mas vale apena o que fazemos
pois cada gota faz crescer esse mesmo oceano.
No final da nossa refeição fomos convidados, para uma
pequena festa de boas vindas, aproveitamos a alegria reinante para a
distribuição de algumas guloseimas, os sorrisos destas crianças eram a melhor
gratificação que alguém poderia alguma vez desejar, faziam-nos transbordar o
coração, mas ao mesmo tempo alguns de nós com olhar distante sentiam uma enorme
tristeza, por ver que por muito que tivéssemos feito, muito mais ainda
poderíamos ter feito, ajudaram-nos a ajudar e sabendo das enormes dificuldades
que muitas famílias passam nas freguesias por nós visitadas, as privações que
algumas das nossas crianças passam, em nada se comparam, com estas crianças
acolhidas nas casas “Mãe Maria Clara, umas órfãs de pais vitimados pelo VIH,
outras acolhidas em regime de internato por maus tratos, sabendo que com pouco
mais de 20 € euros por mês é possível dar uma vida condigna, desde cama,
alimentação e educação.
A festa de boas vindas chegava ao fim, com muita alegria
misturada com o nosso cansaço e uma vontade enorme de descansar, mas também
aquelas crianças teriam de o fazer, pois a escola começava bem cedo, logo às
6,30 da manhã.
Depois duma oração geral, ainda nos esperava a nossa
avaliação e por fim o mais que merecido descanso. Muito era o trabalho a fazer,
mas a boa disposição permanecia em nós mesmo com algumas pequenas quezílias,
que eram sempre ultrapassadas neste encontro de meditação e avaliação ao final
do dia onde não faltou de novo a rede e o telemóvel, apesar da tentativa de
explicação que não houve intenção de brincar fosse com quem fosse, apenas um
mal-entendido, que se ultrapassou.
No encontro com a irmã Madalena, nessa noite, ficamos a
saber que no dia seguinte iríamos ser recebidos pelo Senhor Bispo de Gurué,
sabendo da nossa chegada, tinha imensa curiosidade em não só, nos conhecer mas
também em nos receber na sede episcopal.
Cada um recolheu-se aos seus aposentos e os mais teimosos ainda tiveram força para umas cartadas e algumas brincadeiras.