sábado, 23 de março de 2013

4ª Feira 22 de Agosto Viagem atribulada de Quelimane até Invinha




Foi dormir a correr, o despertador começa a tocar, corpo ainda dorido e olhar cansado, levantar às 4 da manhã tínhamos uma longa viagem pela frente de Quelimane até Invinha, depois de um reconfortante pequeno almoço, café pão e fruta, entre algumas riso-tas íamos carregando as malas, ainda 300 km nos separavam no local que iria ser a... nossa casa durante os próximos dias, muitos foram também os contratempos, eram tão só 24 pessoas numa carrinha com capacidade para 14 e os mais de 3 mil quilos de material que levávamos excedia em muito os 1500 permitidos na viatura, às 4,30 estávamos a despedir-nos das irmãs Franciscanas sem muito ruído para que as crianças não acordassem, esta viagem estava destinada a fazer história, íamos todos ao monte e fé em Deus, mais amontoados que sardinhas em lata, logo ao sair da missão a carrinha bateu por baixo e soltou-se o pneu suplente, “ El Gordo” o nosso simpático motorista, que o Zé Maria junto dele era um mister universo, em nada podia comparar os seus 110 Kg com os quase 200 do motorista, mas tinha uma ginástica de fazer inveja com o ajudante, lá encaixaram de novo o pneu e nos fizemos de novo ao caminho, bem o Zé Maria e a Irmã Ana Paula iam que nem lordes no banco da frente junto do motorista, os outros esses faziam das tripas coração para caberem todos, mas a boa disposição perdurava, pelo menos até ao momento em que íamos a sair da Zona de Quelimane e tivemos um controle do exército, tudo bem e ate um sorriso por ver aquele enlatado de sardinhas na carrinha do “ El Gordo”, que como se não chegasse, tivemos mais um controle da policia, todos tivemos de sair e aqui eles já não gostaram da brincadeira, era ver a admiração dos policias, com os que saiam da carrinha, ainda não tínhamos chegado aos 15 e já estavam a perguntar:
Ainda há mais?
Não gostaram nada mesmo do que viram e o “El Gordo” teve de pagar, não uma bela multa, pelo não só excesso de peso de bagagem e também de pessoas, embora isso já fosse habitual por aquelas zonas, mas claro por baixo da mesa foi passando as notas de meticais.
Não, não era suborno, quem fala nisso era apenas um obrigado por nos deixar seguir viagem.
Podem seguir, foi o que quisemos ouvir, pior foi acomodarem-se de novo, bem o Zé Maria e a Irmã Ana Paula não tiveram esse problema, mas entre alguns gritos por pisarem os calos e gargalhadas á mistura lá seguimos viagem.
Depois de quase 180 Km e já com umas largas horas de viagem, um pneu furado.
Que mais nos irá acontecer? Lá teve de trabalhar “El gordo e o seu ajudante, mudar o pneu até era tarefa fácil.
- Oh Zé Fernando, estás a ver o pneu suplente? Perguntou o Tiago ao Armando.
- Puxa, está mais careca que o Zé Maria, até tem os arames á mostra, respondeu a Liliana.
- Não passa nada, respondeu “ El Gordo” quando voltar compro outro e logo que possa arranjo este.
Lá seguimos viagem novamente, ao menos deu para esticar as pernas e apanhar um pouco de ar naquela manha, começava a fome a apertar, valeram algumas bolachas que fomos distribuindo uns pelos outros, até que uma paragem numa aldeia á beira da estrada, para arranjar o Pneu furado e claro tirar o carequita. Quando saímos as nossas fardas chamaram a atenção, amontoavam-se as pessoas a quererem vender algo, desde a galinha dependurada de cabeça para baixo.
- Coitada da galinha, o que ainda tem de sofrer antes de ser papada disse o Paulo.
O Peixe a cheirar mal, os muitos frutos e como não podiam faltar os bolos artesanais cobertos de moscas, sem faltarem os cachos de bananas, cada cacho custava 100 meticais.
- Já viste Zé, apenas 3 € e são mais de 50 bananas, disse o Abílio - Bem, vai ser o nosso almoço malta.
- Pois o problema vai ser decidir a quem vais comprar, respondeu o Zé Fernando.
- Atira moeda ao ar, disse o Tiago
- Nem uma coisa nem outra é a que tiver mais pois é porque vendeu menos e está mais pesada e lá compramos um grande cacho. Pareciam macacos a comer bananas, não fizemos contas a quem comeu mais, mas a verdade é que desapareceram num instante.
- Se alguém andasse de diarreia logo estava durinho, disse o Guilherme.
- Com esta viagem sempre sentados e tão demorada o problema vai mesmo ir á sanita, rsrsrsrsrsr ria-se a Patrícia.
- Pessoal está a entrar, o pneu está mudado e vamos seguir viagem, ainda nos faltam mais de 100 Km, disse o Armando que acompanhava de perto os trabalhos. Mais uma vez todos ao monte e enlatadinhos para não terem frio, a viagem seguiu, estávamos agora a atravessar um troço de estrada que era em terra, andava em obras, pouco mais de 30 Km tínhamos percorrido quando fomos alertados pelo Guilherme que sentia um barulho estranho.
- Não acham que está a fazer atrás um barulho estranho?
- Oh, não digas que é outro furo, logo respondeu o Costa.
- O melhor é parar, oh senhor motorista pare, porque há um barulho estranho aqui atrás, disse o Carlos.
Um bocado contra gosto “ El Gordo” parou, era um descampado, mas uma paisagem bela, viam-se alguns pássaros no ar. Quando o Guilherme saiu ficou amarelo, afinal o barulho que se fazia sentir era a roda que estava solta, apenas tinha a prender 1 parafuso, os outros estavam partidos e o cubo de rodas também, o expert na matéria “ El Gordo”. Não há problema, podemos seguir agora a estrada é boa e dá para chegar a Invinha-
- O tanas, é que vamos, logo disse o Nelson.
- Da forma que está, é para irmos por uma ribanceira a abaixo. Logo respondeu a Diana.
Vai cão vai casota vai tudo, e não foi para isso que viemos para cá, disse a Patrícia que se tinha mantido calada, a Irmã Ana Paula falou como o motorista e este ligou, para um colega, que estava a passar por esses lados e iríamos fazer o transbordo, saímos do “El Gordo” e entramos no “Rock Santeiro”, de mal a pior se numa carrinha nos aconteceu de tudo este era mesmo maluco a andar….
- Oh Santeiro, nós até acreditamos em milagres mas olha lá se andas mais devagar com a chafarica, quem já leva 10 horas de viagem, também pode demorar mais algumas horas mas o que queremos é chegar. Diziam algumas boquitas mais preocupadas lá de trás.
Por fim a tão desejada placa de sinalização, Gurué 30 Km, mal nós sabíamos que estávamos mesmo a chegar a Invinha, mais um pouco em estrada de terra e por a sinalização, Escola Secundária Madre Clara de Invinha… Ufa enfim, chegamos, ninguém o disse mas todos pensaram com certeza, eram cerca das 16 horas, estava previsto chegar cerca das 11, ate nem nos atrasámos muito, mal saímos da carrinha. Fomos mais uma vez brindados, com a bela melodia daquelas crianças do Internato: “ Bem-vindos” e algumas flores em especial para as meninas. Foram 11 horas tormentosas para fazer 300 Km, mas valia apena, era o concretizar de um sonho assim como a bela melodia que sentíamos nos ouvidos entoada por aquelas crianças.

Bem-vindos
A esta nossa linda casa
Bem-vindos
A esta nossa linda casa
A alegria é de todos nós
Esperemos que se sintam em casa

Depois de nos acomodarmos, montando as redes mosqueteiros nas camas, tomamos um duche á pressa, ainda deu para esticar as pernas e um pequeno passeio em que alguns aproveitaram para telefonar aos familiares.
Não há rede aqui, dizia a Cláudia,
O Zé Maria, olhando para o telemóvel disse, pouca mas alguma há.
O Armando a rir-se apontou para a vedação, é a esta que te estás a referir?
E lá veio gargalhada geral, o que a Cláudia não gostou muito. Mas tudo não tinha passado de um mal-entendido, quando regressamos ao centro da missão já estava a escurecer, as crianças como que fugiam de nós, talvez o primeiro receio ou a vergonha de lidar com estranhos, preparamo-nos para jantar, eram 18,30, algo muito parecido com um frango estufado e arroz.
Foi com certeza o pensamento de todos: o carinho e amor que nos põe a mesa é tão grande, será que aquelas crianças irão comer igual?
Claro que não, como eles dizem, “ vocês são os nossos ilustres visitantes”, nós pelo contrário apenas nos queríamos sentir como a irmã Flora, humildes servidores.
Ao longo da nossa caminhada em Fafe e Vieira do Minho, seja na fase de angariação de bens essenciais para aquela gente, ou posteriormente para a nossa viagem, muitas foram as duras e más respostas que ouvimos, gostava agora que fossem essas mesmas pessoas a estarem no nosso lugar, sentirem aquela alegria, verem o sorriso sincero de coração aberto e as canções de alegria.
Meu Deus, será que na verdade o que trouxemos vale tanto?
Ficam-me a bailar na mente as palavras de madre Teresa de Calcutá, “é apenas uma gota de água no Oceano” mas vale apena o que fazemos pois cada gota faz crescer esse mesmo oceano.
No final da nossa refeição fomos convidados, para uma pequena festa de boas vindas, aproveitamos a alegria reinante para a distribuição de algumas guloseimas, os sorrisos destas crianças eram a melhor gratificação que alguém poderia alguma vez desejar, faziam-nos transbordar o coração, mas ao mesmo tempo alguns de nós com olhar distante sentiam uma enorme tristeza, por ver que por muito que tivéssemos feito, muito mais ainda poderíamos ter feito, ajudaram-nos a ajudar e sabendo das enormes dificuldades que muitas famílias passam nas freguesias por nós visitadas, as privações que algumas das nossas crianças passam, em nada se comparam, com estas crianças acolhidas nas casas “Mãe Maria Clara, umas órfãs de pais vitimados pelo VIH, outras acolhidas em regime de internato por maus tratos, sabendo que com pouco mais de 20 € euros por mês é possível dar uma vida condigna, desde cama, alimentação e educação.
A festa de boas vindas chegava ao fim, com muita alegria misturada com o nosso cansaço e uma vontade enorme de descansar, mas também aquelas crianças teriam de o fazer, pois a escola começava bem cedo, logo às 6,30 da manhã.
Depois duma oração geral, ainda nos esperava a nossa avaliação e por fim o mais que merecido descanso. Muito era o trabalho a fazer, mas a boa disposição permanecia em nós mesmo com algumas pequenas quezílias, que eram sempre ultrapassadas neste encontro de meditação e avaliação ao final do dia onde não faltou de novo a rede e o telemóvel, apesar da tentativa de explicação que não houve intenção de brincar fosse com quem fosse, apenas um mal-entendido, que se ultrapassou.
No encontro com a irmã Madalena, nessa noite, ficamos a saber que no dia seguinte iríamos ser recebidos pelo Senhor Bispo de Gurué, sabendo da nossa chegada, tinha imensa curiosidade em não só, nos conhecer mas também em nos receber na sede episcopal.







Cada um recolheu-se aos seus aposentos e os mais teimosos ainda tiveram força para umas cartadas e algumas brincadeiras.