Sábado 25 de Agosto
Finalmente a trabalhar de sol a sol
Os grupos começaram a trabalhar, acorrendo na escola como
primeira necessidade.
Eu e o Zé Fernando, conduzidos pela Irmã Ana Paula e na
companhia da irmã Madalena, com uma miúda que tinha de ir ao hospital pois
estava com Paludismo, fomos a Gurué às compras, os outros grupos já se
preparavam para começarem nos seus locais.
Entretanto tinha vindo um carro do Paço, para levar o
Armando, Abílio e Tiago, pois iriam tratar dos computadores.
Construção de um passeio, na época das chuvas além de ficar
todo alagado, como a terra é barrenta, os alunos sujam as salas todas, 17 sacos
de cimentos foi o necessário, além de termos de ir carregar pedra às montanhas
para servir de cascalho.
Canalização, muitas eram as torneiras que não funcionavam,
substituir umas arranjar outras, no fundo estavam a perder uma das maiores
necessidades desta população “Água”.
Carpintaria, esta escola têm 7 anos, creio nunca ter tido
obras de fundo em pequenas reparações, portas que não fechavam, ou por falta de
fechaduras ou outras avarias, não eram atos de vandalismo como se vê muito nas
nossas escolas em Portugal, simplesmente avarias para as quais não há resposta,
porque o estado apenas paga a professores e não um funcionário para estas
pequenas tarefas diárias.
O dia de trabalho até foi proveitoso, todos distribuídos em
diversos setores, até o Armando, Tiago e Abílio se deslocaram a Gurué á
residência do Senhor Bispo para fazerem não apenas reparações nos computadores,
mas igualmente alguma atualizações e descarregar programas de software,
antivírus, assim como de limpezas.
Muito próximo do meio-dia chegávamos com o material que
tínhamos comprado para fazer as reparações necessárias nos diversos setores,
tínhamos gasto segundo a irmã Madalena, uma pequena fortuna foram cerca de 15
mil meticais pouco mais de 500€.
- Só este cimento diz-nos o Guilherme, já gastamos os 5
sacos e vamos precisar de mais de 30.
- Eh pá, olha que cada um custa 150 meticais isso aqui é
muito dinheiro e quem fez a multiplicação dos pães e dos peixes foi Cristo eu
não o consigo fazer. Respondi a sorrir.
- Desenrasca-te Zé, disse o Carlos.
Na verdade estava mesmo tramado, naquele momento apeteceu-me
não apelar só a Cristo, mas aos Santos todos, para fazer crescer o dinheiro.
Depois de descarregar, fomos almoçar, embora a boa disposição perdurasse,
algum mal-estar entre elementos era notório, que pouco a pouco foi
desvanecendo-se com o descarregar de material, pois a nossa missão
verdadeiramente dita iria começar. Alguns elementos já nem queriam almoçar o
desejo de deitar mãos á obra era imenso, mas por vezes é bom, deixar falar mais
alto a razão do que o coração e lá fomos fazer bem ao estômago que já pedia e
as irmãs já nos tinham chamado, olhando uns para os outros sorriamos, ver quem
estava mais sujo.
Como Escuteiros sempre o fizemos, mas neste dia, mais
empolgados agradecemos a Deus pelos alimentos da machamba, mas igualmente por
estarmos enfim a trabalhar em prol daquela missão, tentando de alguma forma
deixar o mundo um pouco melhor do que o encontramos.
O sol estava a pico, e o calor era imenso, a água que nos
matava a sede parecia chá, mas sabia bem, as roupas coladas ao corpo de
transpirar, mas fazíamos o trabalho com um carinho acrescido, o passeio começava
a ganhar forma, mas depressa o cimento tinha acabado, os muros começavam a
ganhar uma bela cor verde kiwi, as janelas começavam a ficar com alguns buracos
abertos de tirarmos os vidros que estavam partidos.
Começava a anoitecer em Invinha, um por do sol maravilhoso
se via no horizonte o vermelho fogo, fazia inveja aos nossos braços e costas,
as carecas essas também em nada ficavam a dever á cor salmonada de cada um.
Fomos tomar um merecido duche depois de arrumar as coisas, entretanto os que se
tinham deslocado a Gurué ao Paço também chegaram, dando conta do imenso
trabalho que lá fizeram e se mais não fizeram foi porque não encontraram peças
para arranjar os computadores, até a fotocopiadora e as impressoras ficaram a
trabalhar, D. Francisco, esse não cabia em si de contente com o trabalho
realizado por nós e mandou os cumprimentos dele a todo o grupo agradecendo a
Deus a dádiva que lhes tinha chegado através dos Escuteiros da Região de Braga.
O Zé Fernando,
Depois do jantar as chamadas da praxe para casa de cada um,
mais uma animada festa conjunta entre as jovens da Casa e o nosso grupo, o
Guilherme, bem esse em nada nos surpreendeu, parecia que tinha eletricidade e
estava em todas até se pintou para parecer um preto, quase todos nós
parecíamos, pois o bronze forçado já se fazia notar em alguns, outros pareciam
mais índios.
Aproveitamos o momento de divertimento, para distribuir
algumas prendas às jovens da casa, não era muito, mas algum material escolar,
sabonetes e pasta de dentes, para nós elementar, mas para eles uma raridade.
Aquelas jovens, com certeza que iriam dormir com um sorriso
muito mais rasgado, tal era a felicidade delas, não conheceram a irmã Flora,
algumas nem tão pouco tinham ouvido falar dela, apenas recentemente na
preparação para a nossa visita, mas sem duvida que era uma dádiva a nossa
chegada com os presentes que não sendo nada especiais para eles eram muito, até
um simples rebuçado.
Pouco a pouco, a resistência ia quebrando e o sono também e
cada um recolheu aos seus aposentos depois da habitual avaliação que diga-se
não correu nada bem.
Mais uma vez a discórdia e a discussão, o stress começava a
apoderar-se do grupo, talvez por querermos fazer muito e não nos estava a ser
dada essa hipótese ou porque um ou outro elemento estivesse em busca do
protagonismo, a verdade é que não correu nada bem, chegando ao ponto de
pensarmos acabar com estas avaliações que a nada estavam a levar, senão um
reavivar de discussão,
- Vai ser isto todos os dias. Perguntou a Cláudia Gomes.
- Realmente para discutirmos, mais vale irmos dormir. Disse
o Costa
- Isto deve ser do cansaço. Mas acho melhor no futuro,
prepararmos o dia seguinte e esquecer o dia que passou para que isto não volte
a acontecer. Respondi eu.
- Até aqui, era por não haver trabalho, agora que começamos
a trabalhar qual é a razão? Perguntou de novo a Cláudia.
- Será que depois dum dia cansativo como o de hoje, vocês
ainda têm tempo para esta discórdia? Não somos todos amigos e acima de tudo
escuteiros?
- Sabem, hoje é um dia por si só bastante triste para mim,
mesmo que tenham passado muitos anos, faz hoje 37 anos que morreu o meu pai, e
acho que não estamos aqui para discussões supérfluas, até amanhã, e afastei-me
do resto do grupo.
Devia ser apenas o stress de um dia cheio de trabalho, já
com os ânimos mais calmos, cada um recolheu-se aos seus aposentos. Como o meu
quarto ficava junto ao do Zé Fernando e porque o vi abatido, depois de ter
tomado banho, bati á porta para falar com ele um pouco.
Quando me abriu a porta, era notório que tinha estado a
chorar, sim os homens também choram e não é vergonha nenhuma, pessoalmente nada
mais me magoou de que ver este homem chorar, é sem duvida a ele que se deve
esta atividade, foi ele que sonhou e com certeza mais trabalhou para a
concretização da ida a Invinha, foi o Zé Fernando o grande mentor e
impulsionador, não merecia de forma alguma passar por situações que tem
passado.
Nesse momento pensei para com os meus botões:
- Não custa nada seguir uma grande viagem, mesmo que a mesma
seja numa carroça, porque no fundo quem vai em cima é puxado.
- Será que todos os elementos, estão com o espírito que se
pede a um escuteiro? - Pensei para comigo em voz alta partilhando com o Zé
Fernando, que com voz ainda aos soluços dizia.
- Talvez seja o que merecemos por todo o empenho que pusemos
nesta atividade, custe o que custar levaremos até ao fim, depois logo se vê.
Eu continuava a memorizar todas estas passagens, que um dia
havia de transcrever para papel, sem querer de forma alguma ferir
suscetividades.
Com um abraço e uma até amanhã fomos descansar, pois
esperava-nos um dia especial, em que iríamos ser recebidos em comunidade.